Textos de maquiavel



TEXTOS DE MAQUIAVEL

O Amor à Liberdade
Percebe-se facilmente de onde nasce o amor à liberdade dos povos; a experiência nos mostra que as cidades crescem em poder e em riqueza enquanto são livres. É maravilhoso, por exemplo, como cresceu a grandeza de Atenas durante os cem anos que se sucederam à ditadura de Pisístrato. Contudo mais admirável ainda é a grandeza alcançada pela república romana depois que foi libertada dos seus reis. Compreende-se a razão disso: não é o interesse particular que faz a grandeza dos Estados; mas o interesse coletivo. E é evidente que o interesse comum só é respeitado nas repúblicas: tudo o que pode trazer vantagem geral é nelas conseguido sem obstáculos. Se uma certa medida prejudica um ou outro indivíduo, são tantos os que ela favorece, que se chega sempre a fazê-la prevalecer, a despeito das resistências, devido ao pequeno número de pessoas prejudicadas.” (Do Livro: "Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio", II, 2º)

Observância da Lei
Não observar uma lei é dar mau exemplo, sobretudo quando quem a desrespeita é o seu autor; é muito perigoso para os governantes repetir a cada dia novas ofensas à ordem pública.
....É perigoso para uma república ou para um príncipe manter os cidadãos em regime de terror contínuo, atingindo-os sem cessar com ultrajes e suplícios. Nada há de mais perigoso do que esse tipo de procedimento, porque os homens que temem pela própria segurança começam a tomar todas as precauções contra os perigos que os ameaçam. Depois, sua audácia cresce, e em breve nada mais pode conter sua ousadia. Por isso, é necessário ou não atacar ninguém ou então cometer ao mesmo tempo todas as ofensas, dando garantias, em seguida, aos cidadãos, para restaurar sua confiança e a tranqüilidade geral. (Comentários sobre o primeira década de Tito Lívio, 1, 45º)

O que o povo deseja?
São verdadeiramente infelizes os príncipes que, tendo a multidão como inimiga, são, obrigados a usar meios extraordinários para afirmar seu poder. De fato, aquele que só tem um pequeno o número de inimigos pode viver seguro sem muita preocupação; mas quem é objeto do ódio geral nunca pode ter certeza de qualquer coisa. Quanto maior crueldade demonstra, mas se enfraquece seu poder. O caminho mais seguro é, portanto, procurar ganhar a afeição do povo. (Comentários, I, 16º)

A apoio do povo
Chegamos agora ao caso do cidadão que se toma soberano não por meio do crime, ou da violência intolerável, mas pelo favor dos seus concidadãos: é o que se poderia chamar de governo civil. Chegar a essa posição dependerá não inteiramente do valor ou da sorte, mas da astúcia assistida pela sorte . Chega-se a ela com o apoio da opinião popular ou da aristocracia. Em todas as cidades se podem encontrar esses dois partidos antagônicos, que nascem do desejo do povo de evitar a opressão dos poderosos, e da tendência destes últimos para comandar e oprimir o povo. Desses dois interesses que se opõem surge uma de três conseqüências: o governo absoluto, a liberdade ou a desordem. [... ] quem se tornar um príncipe pelo favor do povo deve manter sua amizade - o que não lhe será difícil, pois a única coisa que o povo pede é não ser oprimido. Mas aquele que chega ao poder apoiado pelos nobres, contra os desejos do povo, deve acima de tudo procurar conquistar a amizade deste - o que conseguirá facilmente, se o proteger. Os homens que recebem o bem quando esperavam o mal se sentem ainda mais obrigados com relação ao benfeitor; por isso a massa logo se tornará ainda mais bem disposta em relação ao príncipe do que se ela própria lhe tivesse dado o poder. O príncipe poderá ganhar a simpatia do povo de muitas formas, de acordo com as circunstâncias, pois nesse ponto não há regra que possa ser estabelecida, razão pela qual não insistirei no assunto. Direi apenas, concluindo, que é necessário que o príncipe tenha o favor do povo; senão, lhe faltarão recursos na adversidade. (Do livro: "O príncipe", IX)

O direito de acusação pública
Não se pode dar aos guardiães da liberdade num Estado direito mais útil e necessário do que o de poder acusar, perante o povo, ou diante de uni magistrado ou tribunal, os cidadãos que tenham atentado contra essa liberdade. Essa medida tem, numa república, dois efeitos extremamente importantes: o primeiro é que os cidadãos, temendo ser acusados, não ousam investir contra a segurança do Estado; se tentam fazê-lo, recebem imediatamente o castigo merecido. O outro é o de se constituir numa válvula de escape à paixão que, de um modo ou de outro, sempre fermenta contra algum cidadão. Quando essa paixão não encontra um meio legal de vir a superfície, assume uma importância extraordinária, que abala os fundamentos da república. Nada a enfraquecerá tanto, todavia, quanto organizar-se o Estado de modo tal que a fermentação de paixões possa escapar por um canal autorizado. É o que se prova com muitos exemplos, e sobretudo pelo que Tito Lívio relata a propósito de Coriolano. (Do Livro: "Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio", I, 7º)

Os conflitos na República
Não quero silenciar sobre as desordens ocorridas em Roma, entre a morte dos Tarquínio e o estabelecimento dos tribunos. Mas não aceitarei as afirmativas dos que acham que aquela foi uma república tumultuada e desordenada, inferior a todos os outros governos da mesma espécie a não ser pela boa sorte que teve, e pelas virtudes militares que lhe compensaram os defeitos. Não vou negar que a sorte e a disciplina tenham contribuído para o poder de Roma; mas não se pode esquecer que uma excelente disciplina é a conseqüência necessária de leis apropriadas, e que em toda parte onde estas reinam, a sorte, por sua vez, não tarda a brilhar.Examinemos, porém, as outras particularidades de Roma. Os que criticam as contínuas dissensões, entre os aristocratas e o povo parecem desaprovar justamente as causas que asseguraram fosse conservada a liberdade de Roma, prestando mais atenção aos gritos e rumores provocados por tais dissensões do que aos seus efeitos salutares. Não querem perceber que há em todos os governos duas fontes de oposição: os interesses do povo e os da classe aristocrática. Todas as leis para proteger a liberdade nascem da sua desunião, como prova o que aconteceu em Roma, onde, durante os trezentos anos e mais que transcorreram entre os Tarquínio e os Graco, as, desordens havidas produziram poucos exilados, e mais raramente ainda fizeram correr o sangue. Não se pode, portanto, considerar essas dissensões como funestas, nem o Estado como inteiramente dividido, pois durante tantos anos tais diferenças só causaram o exílio de oito ou dez pessoas, e a morte de bem poucos cidadãos, sendo alguns outros multados. Não se pode de forma alguma acusar de desordem uma república que deu tantos exemplos de virtude, pois os bons exemplos nascem da boa educação; a boa educação das boas leis; e estas, das desordens que quase todos condenam irrefletidamente. De fato, se se examinar com atenção o modo como tais desordens terminaram, ver-se-á que nunca provocaram o exílio, ou violências prejudiciais ao bem público, mas que, ao contrário, fizeram nascer leis e regulamentos favoráveis à liberdade de todos. (Do Livro: "Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio", I, 4º)

Agir de acordo com as necessidades do momento
“....se acontece que o tempo e as circunstâncias são favoráveis a quem age com cuidado e prudência, o resultado será bom; mas se mudam as circunstâncias e o tempo, a mesma pessoa se arruinará, se não alterar seu procedimento. Não há homem tão prudente que possa adaptar-se a esse fato - ou porque não se consegue desviar do rumo a que o inclinou a natureza, ou porque, tendo sempre prosperado no único caminho utilizado, não se convence de que será oportuno abandoná-lo. “ Não se pode, contudo, chamar de valor o assassínio dos seus compatriotas, à traição dos amigos, a conduta sem fé, piedade e religião; são métodos que conduziu ao poder, mas não à glória. Se considerarmos o valor demonstrado por Agátocles em enfrentar e superar perigos, e sua grandeza de ânimo ao suportar e vencer obstáculos, não há razão para julgá-lo inferior a qualquer um dos capitães mais afamados. Contudo sua desumanidade, sua crueldade bárbara, juntamente com as atrocidades incontáveis que praticou, não permitem nomeá-lo entre os homens mais famosos. Não se pode de qualquer forma atribuir ao valor ou à sorte o que ele conseguiu prescindindo de ambos. (Do Livro: "O príncipe, XXV)

A conquista do poder pelo crime
A alguns pode espantar o fato de que após tantas traições e tão grande crueldade, Agátocles - e outros como ele - pudesse viver em segurança no seu país durante muitos anos, defendendo-se contra inimigos estrangeiros sem ser vitimado por qualquer conspiração. Isso, não obstante muitos outros príncipes não terem podido manter sua posição em tempos de paz, para não falar dos tempos incertos de guerra, devido à sua crueldade. Creio que a diferença reside no uso adequado ou não da crueldade. No primeiro caso, estão aqueles que a usaram bem (se é que se pode qualificar um mal com a palavra bem), uma só vez, com o objetivo de se garantir, e que depois não persistiram nela, mas, ao contrário, a substituíram por medidas tão benéficas a seus súditos quanto possível. As crueldades mal-empregadas são as que, sendo a princípio poucas, crescem com o tempo, em vez de diminuir. Os que aplicam o primeiro método podem remediar de alguma forma sua condição, diante de Deus e dos homens, como Agátocles. Quanto aos outros, não lhes é possível manter-se. De onde se deve observar que, ao tomar um Estado, o conquistador deve praticar todas as suas crueldades ao mesmo tempo, evitando ter que repeti-las a cada dia; assim tranqüilizará o povo, sem fazer inovações, seduzindo-o depois com benefícios. Quem agir de outra forma, por timidez . ou maus conselhos, estará obrigado a permanecer de arma em punho, e nunca poderá depender dos seus súditos que, devido às contínuas injurias, não terão confiança no governante. As injúrias devem ser cometidas todas ao mesmo tempo, de modo que, sendo sentidas por menos tempo, ofendam menos. As vantagens, por sua vez, devem ser concedidas gradualmente, de forma que sejam melhor apreciadas. Acima de tudo, o soberano deve ter tais relações com seus súditos que nenhum acidente, bom ou mau, o afaste do seu rumo; porque, como a necessidade surge em circunstâncias adversas, não deixará tempo para a prática do mal; e se fizer o bem, nada lucrará com isso, pois se pensará que foi forçado a fazê-lo. (O príncipe, VIII)

É melhor ser amado ou temido?
Chegamos assim à questão do saber se é melhor ser amado do que temido. A resposta é que é preciso ser ao mesmo tempo amado e temido mas que, como isso é difícil, é muito mais seguro ser temido, se for preciso escolher. De fato, pode-se dizer dos homens, de modo geral, que são ingratos, volúveis, dissimulados; procuram escapar dos perigos e são ávidos de vantagens; se o príncipe os beneficia, estão inteiramente do seu lado; como já observei, oferecem seu próprio sangue, o patrimônio, sua vida e os filhos quando a necessidade é remota; quando ela é iminente, revoltam-se. Estará perdido o príncipe que confiar somente nas suas palavras, sem fazer outros preparativos, porque a amizade conquistada pela compra, e não pela grandeza e nobreza de espírito, não é segura - não se pode contar com ela. Os homens têm menos escrúpulos em ofender quem, se faz amar do que quem se faz temer, pois o amor é mantido por uma corrente de obrigações que se rompe quando deixa de ser necessária já que os homens são egoístas; mas o temor é mantido pelo medo da punição, que nunca falha. (Do livro: "O príncipe", XVII)

O papel da religião
Nossa religião... só santifica os humildes, os homens inclinados à contemplação, e não à vida ativa. Para ela, o bem supremo é a humildade,o desprezo pelas coisas do mundo. Já os pagãos davam a máxima importância à grandeza d’alma, ao vigor do corpo, a tudo, enfim, que contribuísse para tornar os homens robustos e corajosos. Se a nossa religião nos recomenda hoje que sejamos fortes, é para resistir aos males, e não para incitar-nos a grandes empreendimentos. Parece que essa moral tornou os homens mais fracos, entregando o mundo à audácia dos celerados. Estes sabem que podem exercer, sem medo a tirania, vendo os homens prontos a sofrer sem vingança todos os ultrajes, na esperança de conquistar o paraíso.
A conduta dos príncipes e governantes Todos sabem que é louvável que o príncipe mantenha a palavra empenhada, e viva com integridade e não com astúcia. Contudo a experiência dos nossos tempos mostra que os príncipes que tiveram pouco respeito pela boa-fé puderam com astúcia confundir os espíritos e chegaram a superar os que basearam sua conduta na lealdade. Como sabemos, pode-se lutar de duas maneiras: pela lei e pela força. O primeiro método é o dos homens; o segundo, o dos animais. Porém, como o primeiro pode ser insuficiente, tem-se que recorrer ao segundo. É necessário, portanto, que o príncipe saiba usar bem tanto o processo dos homens como o dos animais. .... Sendo obrigado a agir como um animal, deve o príncipe imitar a RAPOSA e o LEÃO, pois o leão não se pode defender das armadilhas, e a raposa não consegue defender-se dos lobos. É preciso, portanto, ser raposa para reconhecer as armadilhas, e leão para assustar os lobos. ...Não é necessário que um prícipe tenha todas as qualidades...mas é muito necessário que as aparente todas. .... Assim é bom ser misericordioso, leal, humanitário, sincero e religioso – como é bom parecê-lo; mas é preciso ter acapacidade de se converter aos atributos opostos, em caso de necessidade. (O prícipe, XVIII)